Deus fora do armário

Luciana Petersen
2 min readMay 17, 2021
jesus com as mãos sobre uma menina deitada em uma cama com um cobertor nas cores LGBT e falando “beloved, arise”

deus chegou pra mim numa caixinha de presente, junto com um marca-páginas do smilinguido que escondi no armário. veio como a recompensa por ganhar a gincana de quem decorava mais versículos, divisas e santas doutrinas. dominei esse deus encaixotado, encuquei muito sobre ele, colecionei marca-páginas, folhetos, revistas de EBD, tentativas de cura, cadernos de retiro e traumas por um suposto galardão. fui percebendo que a caixa é pequena demais, disforme e desencarnada demais. o armário apertado já acumulava poeira e deixava no escuro o que deveria ser cheio de luz.

uma coisa aprendi na gincana e demorei para compreender de fato: deus não cabe em caixas, armários ou gincanas. emanuel encarna em vidas e histórias, inclusive na minha. é menos branco, menos homem, menos hétero, menos cis e mais Deus. Deus é diverso, e na diversidade mostra sua glória.

o deus encaixotado era parte da parte, e de tão sistematizado e previsível não me dava vontade de conhecer face a face. quando rejeitei a caixinha e o armário, pensei estar rejeitando Deus, tive medo de perder a gincana e, confesso, do inferno.

mas entendi que Deusa está mais nas brincadeiras e joelhos ralados mutuamente do que na competição pelo marca-bíblia. a verdade é que naquela caixa e naquele armário nem eu nem Deus cabíamos. foi esse vento impetuoso que me chamou pra fora e mostrou que aqui há liberdade, lírios dos campos, águas profundas, jardins de delícias. a vida debaixo do sol é uma brincadeira de conhecer as várias faces de Deus, descobrir que Ela brinca de quebrar caixas, armários e cadeias. e mesmo que eu me esqueça e me perca em minha mente encaixotada, essa Deusa como o vento vem me lembrar que nada nem ninguém podem me impedir de brincar.

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