Helena

Luciana Petersen
2 min readMar 23, 2021
Helena com 2 aninhos em frente à porta, com laço verde na cabeça, macacão vermelha as mãos na bochecha

Helena completou 3 anos no último carnaval. Não que ela saiba o que é um carnaval, porque passou 1/3 da vida em pandemia. A gente até tenta blindar ela do mundo, mas nessa época é impossível. Uma vez fui dar um beijo no dodói e ela disse que não podia por causa do colonavílus. Outro dia saiu da aula online (aula online aos 3 anos) explicando que a escola fechou porque a covid passa da Helena pra mamãe, da mamãe pro papai, do papai pra tia Lu, e assim vai.

Semana passada chorei enquanto brincava com ela de pega-pega dentro de casa, disfarçando pra ela não ver. É muito injusto que o pega-pega sempre esbarre em uma parede, ela merecia parques, praias e um mundo inteiro pra explorar. Helena ama manga, mas não vê mais com tanta frequência aqui em casa. Ela aprendeu com os brados indignados do meu pai quando chega do mercado e na última vez que oferecemos manga exclamou chorosa: “Mas a manga tá muito cara”.

No fim do ano nosso cachorrinho Pingo adoeceu. Nas nossas brincadeiras incluímos fingir que éramos as médicas dele. Ela aplicava o remédio, ouvia com o estetoscópio (palavra que aprendeu durante a quarentena), fazia carinho e numa voz séria declarava: “O pingo tá muito doente”. Pingo se foi num domingo de manhã ensolarado e sem igreja. Helena enxugou minhas lágrimas e me abraçou, lembrou que ele tava muito doente e agora ia morar com papai do céu. Não é fácil falar sobre morte, muito menos viver numa época que se acostumou com a morte. Quando a pandemia começou, ela estava aprendendo a fazer frases completas. Quando aprendeu a falar com a Alexa e escolher desenhos já eram 100 mil mortos. Agora ela está aprendendo a escrever números, já sabe fechar as propagandas do joguinho de celular que coloco durante o home-office e chegamos a quase 300.000 mortos no Brasil de Bolsonaro. Aliás, com 1 ano e meio ensinei ela a falar que o Bolsonaro é um lixo (é pra isso que servem as tias).

Uma amiga descreveu que criar uma criança nessa época é um misto de A Vida é Bela, Quarto de Jack e Birdy Box, e essa descrição não poderia ser mais correta. Nos limites da casa da vovó, regamos plantas, descobrimos novos insetos, pintamos desenhos, aprendemos números, tiramos do jornal pra colocar no Joãozinho e exploramos o mundo que ainda está disponível no quintal. Helena é o que mantém a esperança viva por aqui.

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