Via crucis

Luciana Petersen
2 min readApr 11, 2019

[crônica escrita em outubro de 2018, no período eleitoral]

obra do museu afro brasil, 2017

Domingo eu fui à igreja. Levantei quando pediram, sentei quando pediram. Cantei. Li nas páginas do livro de capa preta sobre alguém que foi torturado e morto para salvar a humanidade. Em nome dele partilhei do pão e suco de uva com aqueles que alguém ensinou que devo chamar de irmãos. Mas nesse domingo não pareciam irmãos para mim.

“Canalhas” esbravejou na internet na terça-feira um tio-irmão sobre todas as pessoas de esquerda, comunistas que vão transformar o Brasil em Cuba, pintar a bandeira de vermelho. “Tio, eu sou de esquerda” foi o que escrevi mas logo apaguei, com medo de ficar de fora da festa de aniversário de Jesus esse ano.

Só foi torturado na ditadura quem não era cidadão de bem”, escreveu na sexta-feira uma irmã lá da igreja de Taubaté, que se orgulha toda vez que me vê grande desse jeito, lembrando que me pegou no colo e me deu banho na bacia do quintal dela. Ela ecoa falas do seu candidato, aquele que diz que no seu governo seus opositores “ou vão pra fora ou vão presos”. Será que ela sabe que ele está falando de mim? Será que se lembra do que a gente aprendia lá na igreja de Taubaté todo domingo sobre o Cristo que foi torturado para salvar todos que não são cidadãos de bem? Quis escrever para perguntar, mas me silenciei. Fui silenciada pelo medo.

Aqueles que chamo de irmãos estão compartilhando notícias falsas e repletas de ódio. Leio no livro de capa preta “Há seis coisas que o Senhor odeia, e a sétima ele abomina: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos”.

O que eles não entenderam? Por que o povo que deveria espalhar amor abraçou o ódio com tanta força? Perdoa-lhes, Deus, eles não sabem o que fazem. Ou talvez saibam, talvez essa seja a religião deles. Que nunca se torne a minha, amém.

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